Escaramuça no Bairro de Contumil

Sete e meia da tarde no Bairro de Contumil.

Alguém pega no telefone e liga para o 112. "Venham, venham rápido, se não vierem rápido ainda vai haver sangue".

"Minha senhora, mantenha a calma. De onde está a falar?"

"É do Bairro de Contumil, estamos todos cá fora na rua. A Tina vai dar cabo dele, ela até tem uma faca. Acudam, acudam rápido que ela vai fazer-lhe a folha!" e desligaram.

Foram enviados de imediato dois agentes numa viatura para o local.

"Meus senhores e senhoras vamos lá dispersar. Ora bem, o que se passa aqui?" perguntou o Agente Costa, enquanto o seu colega Moreira se dirigia para o meio da multidão.

"Foi este canalha, este porco que me desgraçou". dizia Maria Albertina aos berros dando um "safanão" no braço de um homem que repetia continuamente "Tininha, ó Tininha bota juízo nessa tua cabeça. Olha bem para o que estás a dizer."

"Tu está calado, tu está calado que eu não respondo por mim meu sacana."

"Ora bem, vamos acabar com os insultos se faz favor, a senhora acalme-se e explique o que se passa, senão dou-lhe ordem de prisão por desrespeito à autoridade".

"Pois foi este badalhoco, desculpe senhor agente, foi este...este, o meu home que, que, olhe nem sei por onde começar. Estava eu na cozinha, e ele tinha ido, pelo menos eu julgava que sim, jogar uma partida de bilhar com o Serôdio. Que era para onde ele me dizia que ia todos os dias. Pois não é que me vem cá tocar à campainha a Linda Cigana dizendo que o tinha visto encostado à carrinha abandonada que está atrás no bloco do Cajó aos beijos com a Guida. Ai filho da pu.. filho da mãe senhor agente, sem querer insultar a minha sogra que Deus a tenha no céu que a levou antes do tempo com uma infecção nos pulmões que a coitadinha nunca fumou, que muito nos ajudou quando eu casei que nos dispensou o quartinho em casa dela e que me deu o enxovalzinho todo para a minha Luana. Bem, como eu dizia, só tive tempo de descer as escadas e não é que quando lá chego ele tinha as mãos em cima dessa badalhoca ... dessa mulher senhor agente, dessa mulher. Pois eu bem tentei controlar-me, bem tentei a sério senhor agente, mas não consegui que desde que entrei na monopausia que tenho estes calores que me sobem por mim acima e não me aguento. O senhor Dr. Francisco Mendonça no Centro de Saúde das Barrocas que é um excelente médico e que não tenho nada a dizer dele receitou-me umas hormónias para passar a monopausia mas eu não me dei bem com aquilo e engordei cinco quilos numa semana e mais parecia uma vaca leiteira e..."

"A senhora vai contar o que se passou ou vai estar a fazer-me perder tempo com esses pormenores sem qualquer relevância???"

"Desculpe senhor agente, eu vou contar tudo tim tim por tim tim o que aconteceu. Pois como eu dizia, eu não me aguentei e fui às bentas daquela porca, da Guida senhor agente, da Guida. Fui logo em cima dela, que ela merecia. Já lhe devia era ter partido o focinho quando ela no mês passado no dia da comunhão do meu Bruno Ricardo apareceu lá com uma roupa senhor agente que parecia que a seguir à festa na igreja ia fazer o turno no Calor da Noite ali na Rua de Costa Cabral. E ainda fiquei pior foi quando esse cabrão ... desculpe senhor agente, o meu home, ainda teve a lata de me perguntar o que eu estava lá a fazer e se eu não podia ir para casa. Uiii, uiii foi aí que me deu um arrepio na espinha. Até me subiram os calores e fiquei com os pêlos das pernas arrepiados. Mandei-o logo para o ca..., desculpe senhor agente, mandei-o ir gozar com a cara de outra, que cá a Tina não deixa que gozem com a cara dela.´"

"Mas a senhora agrediu-o com a faca?"

"Faca senhor agente? Não, senhor agente, juro pela alminha da minha sogra que Deus a tenha, que deve estar a revirar no caixão com as badalhoquices que o filho anda a fazer. A faca foi porque estava a descascar batatas, batata da nova, senhor agente, que eu estava a fazer um assado e a batata velha não fica boa porque fica muito mole, e com aquela maluqueira que eu até fiquei possuída só de imaginá-lo aqui aos amassos com ela, meti a faca no avental. Agora nunca na vida, nem na vida nem na morte, faria uma coisa dessas que desgraçava era a minha vida e a dos meus filhos que são a luz dos meus olhos. Juro pela alminha da minha Luana e do meu Bruno Ricardo."

"Então conte lá o que se passou homem."

"Senhor agente. É verdade que eu estava atrás da carrinha do Cajó com a Guida, mas isso tem explicação. Ia eu a passar para ir jogar uma bilharada ao café do Quim Morto, que a gente chamamos-lhe assim porque ele quando era novo caiu abaixo de um muro e esteve desmaiado durante muito tempo e nós que éramos ganapos pensamos que ele tinha morrido. Bem, então eu ia para lá quando ouvi alguém chamar-me. Era a Guida que eu conheço muito bem porque é filha do Rui Postinhas que joga futebol comigo ao sábado à tarde no pavilhão da Escola de S. Roque que alugamos todos e dividimos a despesa, para treinar um bocado sabe, a idade pesa e já não somos catraios nenhuns. Bem e depois ela chamou-me para a ajudar porque ela estava a sentir-se muito mal. Coitada da pequena, deve ter sido quebra de tensão ou alguma coisa que comeu que estava estragada, porque quando me cheguei à beira dela ela vomitou tudo o que tinha no estômago coitadinha. Depois começou tipo a desfalecer e tive de a agarrar."

"Deve estar é com o buxo cheio a porca, com tantos com quem ela anda metida" acrescentou Maria Albertina."

"Isso é inveja ó badalhoca, é dor de coto." Tendo-se ouvido pela primeira vez a voz de Guida no meio da multidão que se tinha juntado para ver o incidente.

"Badalhoca és tu e a tua mãe ó rafeira." reponde-lhe Tina num tom de voz exaltado. Ao que o agente Costa respondeu com uma reprimenda para que os ânimos exaltados se acalmassem.

"Ora como eu contava, então eu agarrei-a que foi no momento em que chegou a Tina e nos viu naqueles preparos."

Ao ouvir a sua versão, Tina, de novo agride-o verbalmente chamando-o de mentiroso e afirmando que se tivesse desconfiado antes teria telefonado para a TVI para se inscrever no programa Fiel ou Infiel. E acrescentou que ele podia "tirar o cavalinho da chuva" pois à noite "as malas já estariam à porta". De seguida cuspiu duas vezes para o chão.

"Ó Tininha não faças isso, Tininha, que sabes que és o meu amor. Tina, amo-te muito amore. Eu quando te disse para ires para casa era para ires buscar um copo de água com açúcar para a pequena."

"Pequena pequena é o raio que te parta, cala-te antes que te vá aos cornos ... desculpe, senhor agente, antes que te vá á cara."

"Tininha, meu amor, tu achas mesmo que eu alguma vez olhava para outra mulher, Tininha, ainda por cima uma escanzelada como aquela. Eu gosto de carninha amor, de carninha tu sabes disso. E ninguém me faz aquele ensopadinho de cabrito que tanto gosto como tu Tininha."

"Escanzelada, olha agora vem-me este chamar-me escanzelada." grita Guida "Quando vieste cá ter não te queixaste pois não meu animal?"

"A quem estás tu a chamar animal minha porca? Ai de ti que me insultes a mim, e à minha família, ouviste? Lava a boca antes de sequer dizeres o nosso nome. Ainda tens de comer muita broinha de Avintes até chegares aos nossos pés." Grita Tina, exatada de tal forma que quem olhava para o seu pescoço e testa conseguia ver as veias dilatadas.

"Minhas senhoras vamos pôr ordem nisto senão vão é os três conversar para a esquadra."

"E tu minha badalhoca, desculpe senhor agente, que não volto a insultar ninguém esteja descansadinho. E tu Guida ai de ti que voltes a rondar a minha porta que da próxima vez isto não fica assim ouviste? Vamos mas é para casa Mário, que esta gente toda não tem mais nada para fazer que estar aqui a meter-se na vida alheia." dizia Maria Albertina enquanto agarrava o braço de seu marido e descia a rua em direcção à sua entrada.

"E não te esqueças do que te avisei" acrescentou, voltando a cabeça e olhando para Guida, "Ai de ti, ouviste, ai de ti..."