22 maio 2006

O Dia C

Depois de 12 anos de namoro chegou finalmente o dia. "O" dia, aquele para o qual nos preparam desde que nascemos. Sim, para que acham que nos oferecem aqueles bonecos feios como o raio que fazem bolinhas, xixi e o meu preferido, o modelo mais recente, o cagão que come a papa e imediatamente faz cocó para que o possamos limpar e trocar a fraldinha (vá-se lá perceber o interesse). Ele é aspiradores, máquinas de lavar louça e roupa, tábua e ferro de engomar e cozinhas totalmente equipadas.
Pois como eu estava a dizer, depois de tantos anos, o dia D chegou, perdão, o dia C (referindo-se o "C" não a casamento como poderão à partida pensar, mas sim a calvário). É verdade, é isso mesmo calvário. Depois de horas no cabeleireiro a elaborar o penteado (que para nossa tristeza, por mais que se façam provas, no dia nunca fica igual) fui para casa onde já me aguardava a maquilhadora. Pois é, o trabalho de esconder as imperfeições é tão árduo que só mesmo uma maquilhadora profissional que pudesse trabalhar no mais recatado local, com todo o tempo disponível.

Se pensava que o penteado e a maquilhagem seriam as tarefas complicadas, nada me preparou para o trabalho de enfiar o vestido. Irmãs e mãe tentaram a todo o custo vestir-me sem danificar o cabelo e sem borratar a maquilhagem ou sujar o vestido imaculado com qualquer vestígio de rímel ou outra substância colorida.

Com casamento marcado para as 15h30m a noiva estava pronta às 14h45m. Um episodio inédito, de facto, digno de ser publicado em todas as revistas de noivas e da especialidade. Isto porque toda a gente sabe que qualquer noiva que se preze só pode estar pronta pelo menos 30 minutos após a hora prevista para o início do evento.

Pois não é que quando estou a sair de casa recebo um telefonema do noivo a avisar-me para eu não ir para a igreja. Um primeiro pensamento me passou pela cabeça: "O filho da mãe arrependeu-se. Não vai aparecer...Não pode ser. Bem, pelo menos dignou-se a avisar com antecedência". Mas depois tranquilizou-me explicando que a mãe estava atrasada, porque ainda não tinha chegado do cabeleireiro, logo eu não poderia ir para a igreja. Teria de aguardar até ordem em contrário. Depois de passado o choque de ter pensado que era ele que não ia aparecer, comecei a remoer a pensar no atraso dela. Até me saiu fumo pelo nariz e quem estava presente no momento jura que ainda conseguiu ver pelo menos duas faíscas a sair. Houve ainda um relato de uma das testemunhas que garantiu que viu a minha cara a transformar-se e por breves segundos começarem a crescer-me chifres na testa. Porém, dado que o relato foi fornecido pelo pai da noiva, que estava em estado quase catatónico desde a meia noite do dia anterior, não poderá ser considerado como um testemunho fidedigno, pelo que o seu depoimento será riscado da acta. Voltando aos meus pensamentos no momento. "Como? A minha futura sogra???" Ora lá está, eu bem quero não acreditar em esteriótipos, mas tudo vem comprovar que sogra só arranja problemas, e mesmo antes do casamento. Ou pior que isso, no próprio dia. Não há condições. E porquê? Porquê? Porque em casa do noivo, a minha querida e dedicada sogra fez questão de fazer o almoço para todos. Que pena não se ter lembrado de mim, porque em minha casa ninguém almoçou, pois sim, NINGUÉM, não fosse o diabo tecê-las e ainda nos atrasarmos!!!!!

Pois lá tive esperar, em pé para não amarrotar o vestido (imaginem só o filme) e cheguei à igreja 20 minutos atrasada. Por causa deste atraso, imaginem o meu espanto quando vejo o coro a sair pouco tempo depois do início da cerimónia e a ficar apenas o gajo do piano (sim, porque o coro foi contratado atè às 16h porque tinham outro casamento noutra igreja. Nesse momento, ao vê-los sair só tive tempo de trincar a língua para não dizer alguma asneira em frente ao padre e pior ainda em solo sagrado.

Quando eu pensava que nada podia piorar, eis que surge mais um momento inesquecível: a entrega do ramo à Nª. Senhora. Pois eu tinha comprado um ramo, especialmente para este momento ( que me custou os olhos da cara e graças a deus que foram apenas os da cara) e a minha mãe tinha ficado de o levar para a igreja. Quando pensávamos que nada mais poderia acontecer, surpresa surpresa. Peço-lhe o ramo e ela responde-me: "Eu... Eu bem me parecia que me faltava alguma coisa, afinal era o ramo. Esqueci-me dele no carro..." Desculpa? Percebi bem? Esqueceu-se dele no carro? Agarrem-me que vou matar alguém. Porque me fazes isto Senhor? É por eu estar aqui a casar pela igreja, não por acreditar no que o padre falou no sermão, muito pelo contário, mas porque o meu vestido ficaria mais bonito no tapete vermelho da igreja que na Conservatoria do Registo Civil do Gondomar que por sinal fica numas galerias mesmo na entrada ao lado de uma loja dos trezentos?

Acalmei, respirei fundo, contei até dez e lá fui eu entregar o meu ramo de noiva para no final da cerimónia o ir buscar e trocar pelo outro ramo. Contudo, como ninguém me viu a trocá-lo passei a ser conhecida como a noiva que dá e tira. "Ó filha, então foste dar o ramo à Nª. Sra. e depois foste lá buscá-lo outra vez! Tsc tsc tsc, isso não se faz linda. Deus vê tudo e podes ser castigada. E toda a gente sabe que quem dá e volta a tirar, ao inferno vai parar." Olha, se ele viu tudo é que eu estou tramada, porque foi o único que me viu naqueles momentos embaraçosos que não queremos que ninguém nos veja, nem mesmo o N. Senhor, como tirar macacos do nariz, puxar as cuecas e pior pior... bem não vou entrar nesses pormenores, acho que dá para perceberem.

Mais coisa menos coisa, eram 16h30m e já na minha mão esquerda se encontrava uma aliança reluzente. Finalmente éramos marido e mulher. Olhando agora para trás se pensei que enfiar o vestido é que foi tarefa árdua, meus amigos... agora é que seriam elas. Nada me tinha preparado para a vida a dois. Nem mesmo 12 anos de namoro...

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