Aventuras e Desventuras de Duas Siamesas

Este é o primeiro episódio de muitos que se seguirão acerca das minhas aventuras e desventuras com a minha siamesa. E acreditem em mim quando vos digo que outros virão e bem caricatos por sinal...

Esta história dramática teve início quando, há sensivelmente três décadas atrás, nascemos unidas pela cabeça. Foi um choque para todos, mas logo logo, fomos operadas pelo Dr. Gentil Martins. Quem era nascido na altura e já acompanhava o noticiário, de certeza que se lembra de termos aparecido no Jornal da Noite directamente da sala de operações, onde registaram a nossa separação. Como a ciência ainda não permitia dividir o cérebro, optaram por me deixar com ele, sendo que ela, desde então, anda por aí sem cérebro...

Mentira, mentira, não somos irmãs, nem gémeas, e muito menos siamesas (o único facto verídico é que ela não possui cérebro).

Por incrível que pareça, ela é fisicamente o meu oposto, tem cabelo loiro, olhos azuis, é alta, magra e feia, hahaha não, não é verdade, somos ambas o exemplo da beleza personificada. Até podia ser por sermos duas gatas (daí o nome da raça siamesa) mas na realidade não é esse o motivo pelo qual nos chamam siamesas.

Apesar de fisicamente apresentarmos características tão diferentes, várias pessoas começaram a comentar que pareciamos siamesas. A primeira vez que isso aconteceu foi com uns miúdos que seguíamos em consulta, que depois de termos dito, várias vezes, exactamente a mesma coisa e em simultâneo se viraram para nós e disseram "Fogo, vocês são irmãs? Parecem siamesas..." Desde esse dia, o inevitável aconteceu, passamos a denominar-nos de siamesas para onde quer que nos deslocassemos.

O início desta nossa vida em comum aconteceu em Espinho, onde tive o prazer (e ela também, calculo eu) de trabalharmos juntas. Eu entrei para esse gabinete por entrevista, para a qual concorri juntamente com uma amiga. Ora vá-se lá saber porquê, mas fui eu a seleccionada para o cargo. Pouco tempo depois, a minha amiguinha siamesa entrou também para uma outra vaga.

No primeiro dia em que a vi, senti uma empatia imediata, parece que estou a ver o cenário. Ela entrou e cumprimentou-me e eu com toda a estupidez que me é inata disse para ver se quebrava o gelo: "Olá, sabes que ficaste com o emprego que era para uma amiga minha?" Posto isto, sorri. Para mim tinha sido óbvio que estava a brincar, até porque se a minha amiga tivesse ficado seleccionada eu teria sido excluída, contudo para a minha siamesa a coisa não tinha sido assim tão clara.

Pois então, não é que a criatura andou meses a fio a pensar que eu não gostava dela!? Eu não vos disse que ela não tinha cérebro? Não vos disse? Quem vos manda não acreditar no que vos digo, hein hein?

Bem, e foi assim o início desta amizade que tenho a certeza que irá durar durante o tempo que vivermos. Algo me diz que o meu Karma é mesmo aturá-la por mais umas vidas até eu atingir a perfeição. Aliás, eu acho é que vou atingir a perfeição precisamente por a aturar. E a julgar pela sorte que tenho tido nesta última vida, quase que apostava que ainda será preciso passar por mais uma mão cheia delas, pelo menos...

Porque é que eu gosto tanto dela? Huuuummmm ... não sei bem, mas penso que poderá ter a ver com o facto de ela ser exactamente igual ao meu marido (na personalidade entenda-se), curiosamente nasceu no mesmo dia e tudo.

Já viram bem a minha sorte macaca? Eu bem digo que é o meu Karma, mas vocês não acreditam ...